segunda-feira, 15 de junho de 2015

Nossos gostos culturais estão muito infantilizados?


Michael Hogan e Ed Cumming

Do "Guardian"
Tradução de Paulo Migliacci


Michael Hogan, crítico de entretenimento

O nerd meiguinho mostrou os dentes esta semana quando o ator Simon Pegg criticou os filmes de super-heróis como infantis e sugeriu que a indústria do cinema havia emburrecido. Isso pode ser um exemplo clássico de sujeito com telhado de vidro atirando pedra, no caso de Pegg, cuja carreira inteirinha consiste em ser o palhaço príncipe dos nerds, como ele mesmo conta em sua autobiografia Nerd Do Well [trocadilho que contraria a expressão ne'er do well, que descreve os sujeitos que jamais se dão bem]. Mas concordo com a crítica.
A cultura pop desativou os nossos cérebros e paralisou nosso desenvolvimento. Os cinemas estão repletos de espetáculos de computação gráfica, desenhos animados fofos da Pixar e entediantes continuações de passados sucessos. Todos os nossos restaurantes servem hambúrgueres artesanais, hot dogs finos e frango frito falsamente irônico. Nossos guarda-roupas estão lotados de blusas com capuz, macacões, camisetas com logotipos e outras formas de roupas de bebê superdimensionadas. Nossos feeds de Facebook estão repletos de monossílabos infantis e de fala de bebê simulada. É como se estivéssemos congelados na adolescência, e o pronunciamento de Pegg procede, ainda que seja um tanto absurdo, vindo dele.
Depois da inevitável tempestade em xícara de chá que o Twitter sempre propicia, ele retirou o que havia dito, em um post de blog no qual critica sua afirmação anterior (bem, pelo menos não foi uma carta aberta). Simon Pegg pode ter se colocado em uma enrascada, mas o ponto original de seu argumento continua válido. A vingança dos nerds agora se completou, e eles herdaram o planeta. Mas sua produção subsequente nos transformou em crianças grandes, obcecadas por quadrinhos, jogos de computador, fast food e nostalgia preguiçosa. Os sonhos que sonhávamos acordados em nossas infâncias dos anos 80 e 90 se tornaram realidade no século 21 e isso representa um desperdício cretino para todos nós.


Ed Cumming, editor de artigos da revista do Observer

Como ele mesmo percebeu rapidamente, as palavras de Pegg foram um passo em falso. Mas é possível compreender o motivo: o lamento de todos os homens que começam a envelhecer por as coisas já não serem o que eram. Para os nerds, o problema não é que existam astronautas e super-heróis demais, mas que agora o tipo errado de pessoas gosta deles. Pode-se compreender por que isso irrita o sujeito - constrói uma persona em torno de encontrar valor em formas de arte negligenciadas, e agora de repente todo mundo mais também as adora. A primeira estratégia, nesse caso, é redefinir sua posição e insistir em chamar quadrinhos de graphic novel - um exemplo clássico de insistir em um rótulo inteligente que na verdade prova burrice. O passo seguinte é deixar essas coisas no passado, como Pegg alega estar acontecendo com ele. Mas sua declaração não nos engana.
Ele recua a filmes como Taxi Driver, esquecendo que em 1976 o épico de Scorsese foi superado nas bilheterias por King Kong e pela versão de Nasce uma Estrela com Barbra Streisand, que ninguém compararia ao Rei Lear de Kosintev. Thor e Capitão América podem ter faturado mais, mas os filmes mais comentados do ano passado foram um longa de três horas sem trama aparente sobre o amadurecimento (Boyhood) e um filme de arte sobre um baterista de jazz (Whiplash). O Oscar de melhor ator foi para uma interpretação de um astrofísico que sofre de uma profunda deficiência física. Onde está o emburrecimento? Online, todo mundo pode ser crítico e criador - má notícia para a velha guarda mas boa notícia para a cultura pop.



MH: Os filmes que você citou foram os mais mencionados pelos críticos de grandes jornais, pelos comitês de seleção para prêmios e pela pavorosa elite metropolitana, mas não no mundo real. Nas bilheterias tanto britânicas quanto mundiais, nenhum deles esteve entre os 50 filmes mais assistidos - lamentavelmente liderado por Transformers, que encabeçou os 10 mais em companhia de quatro filmes de super-heróis, quatro continuações e uma aventura espacial.

Quando eu era menino (é aqui que entra a música do anúncio da Hovis), havia um Guerra nas Estrelas ou Super-Homem por ano, se a gente tivesse sorte. Eram verdadeiros eventos para a comunidade, e os cinemas locais lotavam de crianças de verdade, e não de homens de meia-idade e infantilizados falando sem parar sobre repaginações, arcos narrativos e histórias sombrias sobre origens, em um esforço por tentarem se convencer de que não estão aprisionados em um eterno loop adolescente.
Hoje em dia, com um olho nos lucrativos mercados estrangeiros, o outro no merchandising e o terceiro (estamos falando de ficção científica - três olhos são admissíveis) na risonha audiência de homens-meninos, há meia dúzia de adaptações de histórias sobre aventureiros mascarados a cada ano. Os Vingadores: Era de Ultron (acho que a história gira em torno de sabão em pó) continua a liderar as bilheterias, e no verão podemos esperar Ant-Man e The Fantastic Four - para não mencionar novas sequências nas franquias Jurassic Park, Exterminador do Futuro e Missão Impossível, e mais incontáveis outras continuações idiotas de filmes de grande sucesso. É como apanhar na cabeça com um martelo de burrice, e não deveria ser considerado coisa de velhote ou esnobismo dizê-lo.

EC: Há muitos filmes como esses porque eles refletem os apetites da era. Se por mundo real você quer dizer as audiências dos filmes de maior sucesso, então estamos falando de principalmente de rapazes jovens, que sempre gostaram de tiroteios e pancadaria, mas agora se sentem ansiosos quanto aos efeitos da tecnologia e portanto atraídos por filmes que refletem esses medos.
Além disso, existe tanta opção no mundo do entretenimento que as audiências de cinema se deixam atrair por extremos: as lutas mais empolgantes, os efeitos especialíssimos. Os filmes de grande orçamento não concorrem mais só com outros filmes, mas com Grand Theft Auto, Call of Duty e qualquer que seja a mais recente novidade que as pessoas estão baixando em seus celulares. É reducionista dizer que isso é necessariamente infantil. A concorrência gera inovação.
Os grandes estúdios de Hollywood podem depender de marcas conhecidas para sustentar um filme e atrair a atenção inicial das pessoas, mas para além disso há muito trabalho interessante em circulação. Nem mesmo Simon Pegg ousaria argumentar que os filmes de Christopher Nolan sobre o Batman foram piores do que as lambanças anteriores. X-Men, Transformers e Homem de Ferro provaram que se pode fazer mais com o gênero do que medíocres filmes de Super-Homem. JJ Abrams deu vida nova a Jornada nas Estrelas, e parece provável que faça o mesmo com Guerra nas Estrelas. Anjos da Lei 2 foi ainda mais engraçado que o original. Não deveríamos nos deixar enganar por nomes conhecidos.

MH: Quer dizer que a trilogia Cavaleiro das Trevas (quase oito horas de resmungos autoindulgentes com um pedacinho bacana ou outro) foi um pouquinho melhor que as versões cafonas de Joel Schumacher nos anos 90, Anjos da Lei 2 foi ligeiramente mais engraçado e alguns filmes de gente fantasiada e espaçonaves foram marginalmente melhores do que poderiam ter sido? Nossa, estou deslumbrado. Mais mediocridades da Marvel, por favor.
Mas, deixando o sarcasmo de lado, com certeza a era geek já chegou ao pico; será que a fixação de Hollywood por franquias que giram em torno de explosões não poderia ser atenuada em troca de dramas adultos e mais interessantes para a audiência geral? Com porcarias sobre robôs em uma ponta do espectro e bateria de jazz na outra, acho que a distância entre as salas de arte e o multiplex está se ampliando demais. Também gostaria que os preços dos ingressos caíssem para que as audiências não se sentissem compelidas a assistir só aos sucessos garantidos e pudessem experimentar mais. Nerds do planeta, tirem seus óculos 3-D e camisetas falsamente irônicas sobre Bobba Fett (pelo menos até que comece o frenesi de Guerra nas Estrelas, em dezembro). Vocês nada têm a perder exceto a virgindade.


EC: Não sei se você merece vencer um debate sobre a infantilização da cultura pop com uma piadinha sobre virgindade. Mas, deixando isso de lado, sim: a moda de filmes marcados por explosões criadas em computador vai passar. A História separará o joio do trigo. Mas é um mito pensar que algum dia existiu demanda pelo tipo de drama sério sobre o qual você fala. É como imaginar que os romances vitorianos fossem todos brilhantes como os de Dickens, e não histórias vulgares sobre quem dormiu com quem. Cada era tem suas modas, seus artefatos culturais improváveis. Alegar que a nossa é de alguma maneira mais pueril do que qualquer das precedentes, ou que nossos interesses são menos dignos de respeito, é o cúmulo do narcisismo; é até infantil.



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