sexta-feira, 28 de março de 2014

Anatomia da Escolha



Por Edmundo de Oliveira Gaudêncio

"Caminhava sobre a lâmina da faca
– que,
cortando um naco de pão,
saciava a sua fome;
cortando sua garganta,
saciaria a sua sede.
Mas, em suma, caminhava.
Adiante, sempre adiante, avante!
Como se diz por aí,
se não puder voar, corra;
se não puder correr, ande;
se não puder andar, rasteje,
mas siga adiante, sempre...!
Enquanto caminhava,
perguntava-se,
seguindo em frente, sempre em frente,
rumo a quem sabe,
capital de quem me dera:
Mas, seguir por quê?
Seguir à frente ou simplesmente acompanhar quem segue?
O que significa seguir adiante?
E o que nos espera,
nesse mais adiante?
Será felicidade,
quem sabe,
será abismo?
Em meio à manada que perseguia o ir adiante,
absorto,
bastou um empurrão...!
Caminhando, agora, em sentido contrário,
descobriu:
Dando-se meia-volta,
caminha-se para a frente,
indo-se para trás...!"

Dessa estorinha, o que podemos extrair em função deste ensaio? Simples: Tudo é escolha. Em toda escolha, a Causalidade que nos leva a ter que escolher, sempre, e o Acaso. Como dizia Maquiavel, em tudo, Fortuna – o que a vida nos oferece, em termos de oportunidade – e Virtude, isso de que somos dotados, em termos de qualidades ou defeitos –, fatores a partir dos quais tomamos nossas decisões, escolhemos. E quando falo Causa, Causalidade, não me refiro apenas a uma modalidade disso, a Causa Linear, essa que está ligada direta e visivelmente a um dado resultado. Refiro-me a todas as formas de Causalidades e todos os seus efeitos. Refiro-me à causa que se denomina “gatilho”, aquele pequeno piparote que causa um enorme estrago; ao “efeito dominó”, em que uma causa inicial repercute em cadeia, de proximidade em proximidade, prolongando-se por distâncias impensáveis, numa reação em cadeia de proporções inimagináveis. Falo também da “retroalimentação”, em que o efeito alimenta a causa; o “circulo vicioso”, quando o efeito leva à gradativa extinção da causa e o “círculo virtuoso”, em que o efeito positivo aumenta a causa e sua positividade e vice-versa. Digo, ainda, do “efeito borboleta”, quando uma mudança insignificante produz efeitos desproporcionais, enormes, e refiro, por fim, a “teleologia” da causa: Toda causa é, na verdade, efeito de uma causa inicial, a qual, por sua vez, pode produzir resultados mediatizados, somente perceptíveis muito tempo depois. Ou seja, foi com a escolha de transanteontem que construímos este nosso agora. Em meio a isso tudo, o Acaso, amigo ou inimigo de nossa Sina e de nosso Destino. Aliás, existem o Acaso e o Destino? Ou Destino é o nome que damos ao resultado, ao produto, à soma de nossas escolhas? 

As escolhas que fizemos a partir do dia em que pudemos escolher por conta própria, a partir da escolha de que não participamos, deixar nascer ou não deixar, permitir crescer ou não crescer? Para Corneau, pensador francês, por outro lado, não existe o Acaso. O acaso nada mais é que o cruzamento de ordens causais diferentes. Quando uma telha cai do telhado na cabeça de um transeunte, isso não se deve ao acaso, mas ao entrecruzamento da história social do transeunte que o levou até à rua do acidente e a história natural da telha e daquilo que levou à sua queda. Digo tudo isso apenas para propor uma questão, cujo postulado é este: Kant fez a síntese máxima da Ética. Dizia ele que diante de toda escolha deveríamos nos perguntar: “Quero? Posso? Devo?”. Concluía: “Porque nem tudo que se quer se pode; nem tudo que se pode, deve-se”. O que nos devolve à questão da escolha – porque toda a ética do mundo cabe sempre em nossas escolhas, nas escolhas que fazemos. Como veremos adiante, toda ética cabe na ponta da língua e nas pontas dos dedos! O problema é que não paramos para pensar em nossas escolhas. Não percebemos que toda escolha é única e irrepetível (porque uma escolha jamais se repetirá: quando escolhemos o mesmo uma segunda vez, isso mesmo que escolhemos já não é a mesma coisa, porque não somos mais quem éramos, quando escolhemos da primeira vez); é intransferível (quando transferimos para outra pessoa a responsabilidade por uma escolha que deveria ser nossa, não nos esqueçamos: isso também é uma escolha!); é inadiável (porque ao adiarmos uma escolha, na verdade fazemos uma escolha, a escolha de adiar!); que a cada escolha cabe uma desescolha (ou seja, para toda escolha que façamos restam centenas de outras escolhas que poderiam ter sido feitas – bem entendido: sabendo que somente nos cabe fazer uma única escolha a cada vez!); que toda escolha é um salto no escuro: Não sabemos do amanhã. Não sabemos se a escolha feita hoje foi a mais acertada quando vista a partir do futuro – que se constrói neste agora, vez que ele é feito das escolhas deste instante; que toda escolha tem consequências. De toda escolha resulta sempre alguma coisa. Teleologicamente não avaliamos a escolha de hoje em função de dever e do devir; que não existe escolha banal. A escolha dita banal, de hoje, pode resultar, amanhã, numa tragédia; que nossas escolhas respingam sempre em escolhas alheias (uma escolha feita por nós pode ser causa de alegria ou infelicidade para terceiros); que escolhemos, obrigatoriamente, por ação e/ou omissão; e, por fim, que é de nossa inteira responsabilidade nossas escolhas e suas consequências. Entrementes, expressamos nossas escolhas sobretudo graças à mão e à palavra, as duas maiores ferramentas da Ética ou da falta de Ética. 

Falado e fazendo de outro modo, com que escolhemos? Através de que expressamos nossas escolhas senão através do gesto e da palavra? Dito isso, pensamos nas palavras que dizemos? E naquelas que calamos? Pensamos em nossos gestos? Como dito por Kant, tudo é questão de Querer, Poder, Dever. Isso colocado em relação à palavra, cabe perguntar: Calar? Falar? Silenciar? Quero calar, posso calar, devo calar? Ou, quero falar, posso falar, devo falar? E ainda, quero silenciar, posso silenciar, devo silenciar? Quero, posso, devo fazer um gesto ou não fazê-lo ou permitir  ou não permitir que o façam? Quero? Posso? Devo? Escolher ou não escolher, eis a questão! (E porque o ser humano é livre  – e essa a causa e esse o sentido da escolha! – , cabe a cada um escolher ou não escolher perguntar-se por isso antes de falar ou de fazer...!). Dizendo isso, concluo quase da mesma forma como comecei este ensaio metido a poema:

Prólogo:
Tudo é escolha: Prosseguir ou não seguir adiante?
Caminho da esquerda?
Caminho da direita?
Por qual estrada há que se ir?
Qual encruzilhada não perseguir?
Considerando isso tudo,
tudo na vida é uma encruzilhada sem fim:
Partir?
Ficar?
Voltar?
Tudo é querer, poder, dever.
Querer ficar, partir, voltar?
Poder ficar. Poder partir. Poder voltar.
(O que não é a mesma coisa de dever ficar, dever partir, dever voltar...!)
Opus I:
Triste na vida
é ter que pegar o beco
– sendo o beco sem saída e pior, sem que nunca tenha fim...!
Opus II:
Na avenida,
anonimato...!
(sou muito mais eu meus longos e anônimos becos de mim..!)
Não me reconheço nas ruas, alamedas, avenidas...!
Somente sou no escuro recôndito de mim e de meus tristes becos sem fim...!
Opus III:
Há becos,
lá fora,
recortando
ruas
&
avenidas
(cá dentro, duas artérias cortadas,
única forma de escapar de um beco sem saída).
Epílogo:
Enfim, há becos sem fim...!
Vindo-se ou se indo,
Do nada ao Nada,
a diva da vida é um palíndromo:
Faça o que fizer, escolha o que escolher,
O RUMO É O MURO

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