quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Relógio das Culturas


Da Scientifc American Brasil


Atrase uma hora no Brasil e ninguém nem irá se importar muito. Mas, na Suíça, deixe alguém esperando mais que cinco ou dez minutos e terá muito a explicar. Em algumas culturas o tempo é elástico, em outras, monolítico. De fato, o modo como membros de uma cultura percebem e usam o tempo reflete as prioridades da sociedade e até sua visão do mundo. 

Cientistas sociais registraram grande diferença no ritmo de vida em vários países e em como as sociedades percebem o tempo: se como uma flecha penetrando o futuro ou como uma roda em movimento, onde passado, presente e futuro giram sem parar. Algumas culturas combinam tempo e espaço: o conceito dos aborígenes australianos do “tempo de sonhos” abrange não só o mito da criação, mas também o método de selocalizar no campo. Mas algumas visões de tempo interessantes, como o conceito de ser aceitável uma pessoa poderosa manter alguém de status inferior esperando, parecem desconhecer diferenças culturais. Elas são universais. 

O estudo de tempo e sociedade pode ser dividido em pragmático e cosmológico. Do ponto de vista prático, nos anos 50, o antropólogo Edward T. Hall escreveu que as regras de tempo social compõem uma “linguagem silenciosa” para determinada cultura. As regras nem sempre são explícitas, analisou ele, mas “subentendidas... Ou são cômodas e familiares, ou erradas e estranhas”. 

Em 1955, ele descreveu na Scientific American como percepções diferentes de tempo podem levar a mal-entendidos entre pessoas de culturas diversas. “Um embaixador que espera um visitante estrangeiro mais que meia hora deve entender que se este último ‘mal murmura uma desculpa’ isto não é necessariamente um insulto”, exemplifica. “O sistema de tempo no país estrangeiro pode ser composto de unidades básicas diferentes, então o visitante não está tão atrasado quanto parece. Deve-se conhecer o sistema de tempo do país, para saber a partir de que ponto as desculpas são realmente necessárias... Culturas diferentes atribuem valores diversos para as unidades de tempo.”

A maioria das culturas do mundo agora usa relógios e calendários, unindo a maior parte do globo no mesmo ritmo geral de tempo. Mas isso não significa que todos acertem o mesmo passo. Algumas pessoas se estressam com o ritmo da vida moderna e o combatem com o movimento “slow food” enquanto em outras sociedades as pessoas sentem pouca pressão no gerenciamento do tempo.

“Uma das curiosidades do estudo de tempo está no fato de ele ser uma janela para a cultura”, avalia Robert V. Levine, psicólogo social na California State University em Fresno. “É possível obter respostas sobre valores e crenças culturais: uma boa ideia do que importa para as pessoas.”

Levine e seus colegas fizeram estudos do “ritmo de vida” em 31 países. Em A geography of time, publicado pela primeira vez em 1997, Levine descreve a classificação dos países usando três medidas: velocidade para andar nas calçadas urbanas, rapidez de um funcionário do correio em vender um simples selo e a precisão dos relógios públicos. Baseado nessas curiosas variáveis ele concluiu que os cinco países mais rápidos são Suíça, Irlanda, Alemanha, Japão e Itália e os cinco mais lentos, Síria, El Salvador, Brasil, Indonésia e México. Os Estados Unidos ocupam a 16º lugar, próximo ao mediano.

Kevin K. Birth, antropólogo no Queens College, examinou a percepção de tempo em Trinidad. Seu livro, Any time is Trinidad time: social meanings and temporal consciousness, de 1999, se refere à desculpa comum dada para atrasos. Naquele país, observa Birth, “se você marcar um encontro para as 18h00, as pessoas aparecem às 18h45 ou 19h00 e dizem: ‘Qualquer hora é hora em Trinidad’”. Quando se trata de negócios, porém, esse enfoque informal do tempo só se aplica para os poderosos. Um chefe pode chegar tarde e usar o refrão, mas é esperado que subalternos sejam mais pontuais. Para eles, “horário é horário”. Birth acrescenta que a paridade tempo-poder existe em muitas outras culturas. 

A natureza obscura do tempo pode dificultar a tarefa dos antropólogos e psicólogos sociais. “Não se pode simplesmente chegar numa sociedade, se aproximar de alguém e perguntar: ‘Qual é a sua noção de tempo?’”, adverte Birth. “As pessoas não terão resposta. Então, tente outros meios para descobrir isso.”

Birth tentou descobrir o valor do tempo para os trinitinos, explorando a proximidade entre o tempo e o dinheiro na sociedade. Avaliou populações rurais e descobriu que fazendeiros, cujos dias eram ditados por eventos naturais, como o nascer do sol, não reconheciam o provérbio “tempo é dinheiro”, “economizar o tempo” ou “gerenciar o tempo”, embora tivessem TV por satélite e estivessem familiarizados com a cultura popular ocidental. Já os alfaiates das mesmas áreas tinham essa noção. Birth concluiu que o trabalho assalariado alterou o ponto de vista dos alfaiates. “As ideias de associar tempo a dinheiro não são globais”, esclareceu ele, “mas atreladas à profissão e à pessoa que a exerce.”

A forma de lidar com o tempo no cotidiano não está relacionada ao conceito de tempo como entidade abstrata. “Muitas vezes há uma separação entre como uma cultura encara a mitologia do tempo e como as pessoas pensam a respeito do tempo em suas vidas,” relata Birth. “Não pensamos sobre as teorias de Stephen Hawking do mesmo modo que sobre a rotina diária.” 

Algumas culturas não distinguem claramente passado do presente e do futuro. Os aborígenes australianos, por exemplo, acreditam que seus ancestrais rastejaram para fora da Terra na época do tempo dos sonhos. Os ancestrais “cantaram” o mundo para criá-lo, nomeando cada característica e ser vivo, o que os fez existir. Mesmo hoje uma entidade não existe a menos que um aborígene a “cante”.

Ziauddin Sardar, autor e crítico britânico muçulmano, escreveu sobre o tempo e culturas islâmicas, especialmente a seita fundamentalista wahhabista. Os muçulmanos “sempre carregam o passado consigo”, afirma Sardar, editor da revista Futures e professor convidado de estudos pós-coloniais da City University, em Londres. “No Islã o tempo é uma tapeçaria que incorpora o passado, o presente e o futuro. O passado é sempre presente.” Os seguidores do wahhabismo, muito difundido na Arábia Saudita e entre os membros da Al Qaeda, buscam recriar os dias idílicos da vida do profeta Maomé. “A dimensão mundana do futuro foi suprimida” por eles, segundo Sardar. “Eles romancearam uma visão particular do passado. Tudo o que fazem é tentar repetir o passado.”

Sardar afirma que o Ocidente “colonizou” o tempo ao divulgar a expectativa de que a vida deveria se tornar melhor conforme o tempo passa: “Ao colonizar o tempo, se coloniza o futuro. Acreditando- se que o tempo é uma flecha, então o futuro seria o progresso, seguindo uma direção. Mas pessoas diferentes podem desejar futuros diferentes.”


O Paradoxo dos Gêmeos

A máxima “o tempo é relativo” pode não ser tão famosa como “tempo é dinheiro”. Mas a noção de que o tempo se acelera ou desacelera dependendo da velocidade com que um objeto se desloca relativamente a outro certamente está entre as ideias mais inspiradas de Albert Einstein.

O termo “dilatação do tempo” foi cunhado para descrever a desaceleração do tempo provocada pelo movimento. Para ilustrar o efeito, Einstein propôs um exemplo – o paradoxo dos gêmeos – que é indiscutivelmente o mais famoso experimento idealizado da teoria da relatividade. Nesse suposto paradoxo, um dos gêmeos viaja quase com a velocidade da luz para uma estrela distante e volta à Terra. De acordo com a teoria da relatividade, quando voltar estará mais jovem que seu gêmeo idêntico que aqui permaneceu.

O paradoxo se baseia na pergunta “Por que o irmão que viajou está mais jovem ao regressar?” A relatividade especial afirma que, ao passar por um observador, um relógio deslocando-se a altas velocidades parece andar mais devagar – isto é, há uma dilatação do tempo. (Muitos de nós resolvemos esse problema do relógio em deslocamento em física do ensino médio para demonstrar um efeito da natureza absoluta da velocidade da luz.) Como a relatividade especial garante que não existe movimento absoluto, o irmão que viajou para a estrela também não deveria ver o relógio de seu irmão na Terra andar mais devagar? Se isso fosse verdade, eles não deveriam ter a mesma idade?

Esse paradoxo é discutido em vários livros, mas resolvido em poucos. Para explicá-lo costuma-se dizer que o irmão que sente a aceleração é o que está mais jovem, logo o irmão que viaja para a estrela estará mais jovem no retorno. Embora o resultado esteja correto, a explicação é falaciosa. Alguns podem assumir falsamente que a aceleração provoca a diferença de idade e que é necessário apelar para a teoria geral da relatividade, que trata de sistemas de referência não inerciais ou em aceleração para explicar o paradoxo. Mas a aceleração a que foi submetido o viajante é acidental e a relatividade especial sozinha pode não ser suficiente para desvendar o paradoxo.

Estranha Viagem

Vamos supor que os irmãos gêmeos, apelidados de “viageiro” e “caseiro”, vivem em Hanover, no estado americano de New Hampshire. Eles têm gostos diferentes, mas compartilham um desejo comum: construir uma nave espacial que possa chegar a 0,6 vez a velocidade da luz (0,6 c). Depois de trabalhar na espaçonave durante anos eles estão prontos para lançá-la, tripulada por viageiro, em direção a uma estrela situada a seis anos-luz de distância.

A nave é acelerada rapidamente a 0,6 c. Para atingir essa velocidade, Viageiro levará pouco mais de 100 dias a uma aceleração de 2 g. Dois g significa duas vezes a aceleração da gravidade, a aceleração experimentada quando se gira num loop de uma montanha-russa. No entanto, se Viageiro fosse um elétron, poderia ser acelerado até 0,6 c numa fração de segundo. Por isso, o tempo para atingir 0,6 c não é essencial para a discussão.

Viageiro utiliza a equação da contração do espaço da relatividade especial para medir a distância. Assim, a estrela que está a seis anos-luz de Caseiro parece estar somente a 4,8 anos-luz de distância de Viageiro a uma velocidade de 0,6 c. Dessa forma, para Viageiro, a viagem até a estrela leva apenas oito anos (4,8/0,6), enquanto para Caseiro o cálculo resulta em 10 anos (6,0/0,6). Para resolver esse paradoxo precisamos considerar como cada gêmeo veria o tempo marcado pelo seu próprio relógio e pelo relógio do outro durante a viagem. Vamos supor que cada gêmeo tenha um telescópio muito poderoso, que permita essa observação. Surpreendentemente, para explicar o paradoxo basta considerar o tempo que a luz leva para se propagar entre os dois gêmeos.

Viageiro e Caseiro zeram seus relógios quando Viageiro parte da Terra rumo à estrela. Quando Viageiro chega à estrela, seu relógio marca oito anos. Mas quando Caseiro vê Viageiro chegar à estrela, seu relógio indica 16 anos. Por que 16 anos? Porque, para Caseiro, a nave leva 10 anos para chegar à estrela, e a luz que mostra Viageiro na estrela leva mais seis anos para voltar à Terra. Assim, visto pelo telescópio de Caseiro, o relógio de Viageiro parece estar andando com metade da velocidade do seu próprio relógio (8/16).

Quando Viageiro chega à estrela, seu relógio indica que se passaram oito anos, como mencionado, mas para ele o relógio de Caseiro marca seis anos menos (o tempo que a luz leva para ir da Terra até ele), ou quatro anos (10 menos 6). De modo que Viageiro também vê o relógio de Caseiro andando com metade da velocidade de seu relógio (4/8).

De gêmeo a irmão caçula 

Na viagem de volta, Caseiro vê o relógio de Viageiro passar de oito para 16 anos, num período de apenas quatro anos, porque seu relógio marcava 16 anos quando ele viu Viageiro deixar a estrela e indicará 20 anos quando Viageiro chegar à Terra. Assim, Caseiro agora vê o relógio de Viageiro avançar oito anos num período de apenas quatro anos de seu tempo; para ele, o relógio de Viageiro anda duas vezes mais rápido que o seu.

Enquanto Viageiro volta para casa, ele vê o relógio de Caseiro avançar de quatro para 20 anos em oito anos de seu tempo. Assim, ele também vê o relógio de seu irmão avançar com o dobro da velocidade do seu. Mas ambos concordam que, no final da viagem, o relógio de Viageiro marca 16 anos e o de Caseiro 20 anos. Portanto, Viageiro está quatro anos mais jovem.

A assimetria no paradoxo é que Viageiro sai do sistema de referência da Terra e volta, enquanto Caseiro nunca deixou a Terra. Também é uma assimetria o fato de Viageiro e Caseiro concordarem sobre a leitura no relógio de Viageiro em cada evento mas não concordarem sobre a leitura do relógio de Caseiro em cada evento. As ações de Viageiro definem os eventos.

Juntos, o efeito Doppler e a relatividade explicam esse efeito matematicamente em qualquer instante. O leitor também poderá notar que a velocidade com que determinado relógio parece marcar o tempo também depende de ele estar se afastando ou se aproximando do observador.

Finalmente, é preciso mostrar que o paradoxo dos gêmeos é, hoje, mais que uma teoria, porque suas bases foram confirmadas experimentalmente. Num experimento desse tipo, o tempo de decaimento de um múon confirma a existência da dilatação do tempo. Múons estacionários têm vida média de cerca de 2,2 microssegundos. Quando passam por um observador em velocidade de 0,9994 c, sua vida média aumenta para 63,5 microssegundos, exatamente como prevê a relatividade especial. Experimentos em que relógios atômicos são transportados em velocidades variáveis também produziram resultados que confirmam a relatividade especial e o paradoxo dos gêmeos. No famoso experimento de Hafele-Keating em 1971, por exemplo, os pesquisadores colocaram relógios atômicos de césio a bordo de aviões comerciais que viajavam – primeiro para leste e depois para oeste – e compararam esses tempos com medidas de relógios fixos no Observatório Naval dos Estados Unidos.


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