sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Escutatória



Por Rubem Alves

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. 
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. 
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. 
Parafraseio o Alberto Caeiro:
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma. 
Daí a dificuldade: 
A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... 
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. 
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração... E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. 
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos... 
Pensamentos que ele julgava essenciais são-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades:
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado. 
Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. 
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. 
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E, assim vai a reunião. 
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir. 
Fernando Pessoa conhecia a experiência... 
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras. 
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. 
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. 
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar. 
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. 
Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também. 
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.


Nenhum comentário:

Postar um comentário