quarta-feira, 26 de junho de 2013

Tipos Globalizados - Duro de dia, fofo de noite



Por Teddy Wayne
Da Revista Piauí


Cala a boca, otário, e quem sabe você aprende alguma coisa. Eu sou corretor do maior fundo de investimento de Nova York, tá ligado? Cara, eu sou foda, não pergunto o nome de ninguém porque estou cagando para a identidade dos outros. Ganhei mais dinheiro hoje na minha hora de almoço do que você vai ganhar em dez anos. Os feriados nacionais existem em minha homenagem.

Mas quando chega o fim de semana eu me transformo – meu negócio é jogar buraco na internet e assistir a programas de artesanato na tevê, tomando um chazinho não muito quente.

E ó aqui, pirralho: quando estou no escritório, cuidado comigo – eu estraçalho aquele teu “puta negócio” antes mesmo de ele nascer. Não sou um tubarão; sou a própria ORCA, a porra da baleia assassina, sacou? Eu mastigo números e gráficos como se fossem granola e depois cuspo tudo na tua cara, porque só como carne pingando sangue, mais nada. Às vezes faço uma doação para a caridade durante o dia, não por altruísmo, mas só para me desafiar a recuperar o dobro do que eu dei antes do pôr do sol.

E depois de um dia duro de trabalho, o que eu mais gosto é de relaxar fazendo um pouco de hatha yoga, com O Melhor de Enya tocando baixinho, uma Kronenbierzinha bem gelada à mão, num copo decorado que eu trouxe de um festival da Barbie, onde fui com minhas sobrinhas.

Você aí, Azambuja, com esses óculos pretos de aro grosso, quer ver uma coisa sinistra, do grande cacete? Dá só uma olhada nesse meu terno foderoso: risca de giz, lapela grande, seda italiana importada de um fabricante de Como com 700 anos de existência. E fui eu mesmo que fiz, em oito meses, numa aula de costura toda quarta à noite, num centro comunitário. A Edite é uma professora de paciência infinita.

Ontem no escritório me chegou um corretorzinho todo metido, contando vantagem sobre o grande negócio que ele estava fechando. Duas horas depois, parecia que alguém tinha jogado ovo na cara dele – debruçado na mesa, morrendo de pena de si mesmo. “Levanta daí, moleque!”, trovejei. “Quando a vida te dá um limão, você crava os caninos no ácido cítrico – e sorri! Limonada é pra criança, e pra quem fez ciências humanas.”



E coleciono luzinhas de Natal antigas, que compro em sites de artesanato.

Segura as pontas, estou prestes a fechar um negócio do tamanho do PIB de um país de segunda, e a fiscalização da Bolsa está em cima de mim, firme como John Wayne montado em seu alazão... Shirley, meu bem, faz um favorzão, cancela tudo na minha agenda hoje e manda vir uma picanha de três dedos de grossura, sangrando, que o papai aqui vai fazer hora extra no serviço. Ah, e me faz outro favor: bota meu DVD para gravar a maratona de Saia Justa, vão passar oito episódios seguidos no GNT Internacional.

Eu e meus colegas da faculdade, a nossa galerinha, fazemos uma reunião mensal – não mais que isso, tendo em vista o tempo danado que a gente já gasta moldando o mundo financeiro à nossa imagem e semelhança. Além do que, a maioria deles tem filho recém-nascido e mora em algum condomínio verde fora da cidade, é um trânsito horrível para ir e vir. Sempre fazemos a reunião na casa de um de nós, numa sala decorada com feng shui. Daí lemos blogues da terceira onda do feminismo falando da Sheryl Sandberg e conversamos sobre a nossa insegurança, que começou no jardim da infância, quando a gente sofria bullying. É isso que fazem os homens de verdade, e, se você não aguenta o calor do fogo, cai fora da cozinha, porque o Tom deve estar com a chapa quentíssima, fazendo o já famoso tofu grelhado com alecrim. Só o Fred não vai comer, porque tem alergia a soja.

E presta bem atenção: nem pensa, nem sonha em fazer alguma coisa que me deixe irritado. Posso comprar e vender a tua firminha umas mil vezes. É mole, fedelho: daí enfio a grana no bolso e vou gargalhando até minha sessão diária de comportamento cognitivo, onde trabalho com o meu terapeuta, o dr. Tessler, em técnicas para controlar a ansiedade das interações sociais por meio do riso.



Não está gostando do que eu estou dizendo? Pois bem, sabe o que a gente faz com merdinhas como você lá na minha terra? A gente senta junto e faz uma sessão de mediação de conflitos, começando cada frase com “Eu sinto que...”. Olha aqui, você sabe de onde eu venho, pirralho? Pois eu venho de Águas de Lindoia, tá ligado?

Está vendo aquela gata ali, com aquele corpinho de capa da Playboy? Passei uma semana com ela em Las Vegas, sugando investidores num congresso. Eu e ela ficávamos o dia inteiro juntinhos, ensaiando meu papo brabo e meus PowerPoints. Daí, na última noite voltamos juntos para o hotel dela e ficamos acordados até o dia seguinte conversando sobre os problemas de relacionamento dela com o namorado. Se ela mudar o status para “Disponível” no Facebook, quem sabe posso até disparar um e-mail para ver se ela gostaria, talvez, de tomar um café ou outra coisa, quem sabe, depois do trabalho, sei lá. Café descafeinado, claro.

Quando você estiver pronto para aprender a ser um picão do universo, pode me ligar. Mas se for sexta à noite, depois do expediente, nem perca tempo. É quando me dedico à coleção de selos. 


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