quarta-feira, 15 de maio de 2013

Obra de Debussy faz 100 anos sem reconhecimento devido


Por Sidney Molina
Do "Qual a Sinfonia de Hoje?"
 

Em 15 de maio de 1913, há exatamente um século, "Jeux" (jogos, em português), a última composição orquestral de Claude Debussy (1862-1918), estreou no Théâtre des Champs-Elysées, em Paris.

Coreografada pelo bailarino Vaslav Nijinsky (1890-1950) para a célebre companhia de Serge Diaghilev (1872-1929), a partitura foi totalmente ofuscada pela escandalosa estreia de "A Sagração da Primavera", do compositor russo Stravinsky (1882-1971), ocorrida duas semanas depois no mesmo local.

A polêmica em torno de "A Sagração", que chocou o público por suas inovações, tornou seu autor célebre, o que teria estremecido a relação entre os dois compositores.

Em carta de 1916, Debussy se refere a Stravinsky como "uma criança mimada que, de tempos em tempos, lança uma provocação à música".

Stravinsky, por sua vez, afirmou anos depois que o músico francês devia "estar aborrecido por sua incapacidade de assimilar a 'Sagração' quando a geração mais jovem acreditava nela entusiasticamente".

Ao contrário da "Sagraçõo", "Jeux" não foi vaiada nem despertou a ira do público, mas nem por isso é menos moderna.

O fato é que o rito eslavo de Stravinsky haveria de se tornar a marca do modernismo musical.

E, se hoje o público briga por um lugar para ver o maestro venezuelano Gustavo Dudamel reger "A Sagração da Primavera" -a obra é também o tema central da temporada 2013 da Osesp-, nenhuma de nossas grandes orquestras parece ter se lembrado de celebrar o centenário de "Jeux".

Humor e Sexo

O bailarino Nijinsky assinou apenas três coreografias para os Ballets Russes de Diaghilev: a primeira havia sido o "Fauno", em 1912, que utiliza o famoso prelúdio orquestral escrito pelo próprio Debussy 20 anos antes; "Jeux" e "A Sagração" fecham a trilogia.

Nas duas obras de Debussy, Nijinsky atuou também como bailarino, o que não ocorreu na "Sagração".

O argumento de "Jeux" é brincalhão, mas exala sexo: em um parque, ao anoitecer, um homem e duas mulheres procuram uma bola de tênis perdida; durante a busca ganham intimidades, jogam com ciúmes, abraçam-se e, no ponto culminante, são unidos por um tríplice beijo.

No final, uma segunda bola de tênis é maliciosamente lançada por um desconhecido; surpreendidos, os três desaparecem no parque escuro.

Nomes centrais da vanguarda do pós-guerra, como Karlheinz Stockhausen (1928-2007) e Pierre Boulez, não deixaram de festejar a obra de Debussy, que tem características em tudo opostas à fragmentação e à alternância entrecortada de células musicais típica da "Sagração".

A música de "Jeux" parece se transformar em tempo real, sem interrupções no fluxo narrativo. Seus jogos sonoros são eventos probabilísticos, apostam na justaposição contra a causalidade.

É um puro devir, o tempo do desejo apresentado em sua efemeridade, sem ingenuidade nem pretensão.

Basta pensar no desenvolvimento da música popular para perceber que o século 20 privilegiou o pulso rítmico marcado, tal como apontado pela "Sagração".

A opção de "Jeux" foi tratar a complexidade com leveza e humor. Cem anos após aquele 15 de maio, a derradeira composição orquestral de Debussy ainda não encontrou hora propícia.

Escute a primeira parte de Jeux aqui. Em seguida, ouça a segunda aqui.




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